domingo, 17 de julho de 2016

Chris Ciovacco: «Dívida, dinheiro de helicóptero¹ e a Reserva Federal»


     Esta semana, o Sr. Ciovacco centra a sua mensagem naquilo a que ele chama "os nossos planificadores globais", i.e. as pessoas e as instituições que, com as suas políticas (ou falta delas) determinam a evolução da economia mundial, para o melhor e para o pior. A mensagem principal do vídeo é muito semelhante à de outros vídeos anteriores: a actuação dos bancos centrais condiciona o desempenho dos mercados, devendo os investidores ter esta realidade sempre bem presente antes de comprarem ou venderem activos financeiros. Mas atenção: a pertinência e o nível de detalhe das explicações providenciadas pelo Sr. Ciovacco neste vídeo são pura e simplesmente fabulosos. Não hesito em afirmar que este é um dos melhores vídeos que já vi sobre o actual momento da economia mundial.



Pontos de interesse do vídeo do Sr. Ciovacco:

  • 01m32s O Sr. Ciovacco recorre a um interessante diagrama para explicar como é que, nos EUA, a Reserva Federal (FED) utiliza as taxas de juro como instrumento da política económica, recorrendo aos bancos como agentes de transmissão. Os bancos concedem crédito às empresas e às famílias (habitação), criando dívida no processo. A ideia é que o dinheiro emprestado desta forma fará crescer a economia e criará postos de emprego, através do aumento do consumo [notem que eu escrevi "fará", não escrevi "faz"].
  • 02m34s Ao longo da história recente dos EUA, a FED tem baixado as taxas de juro com o objectivo alegado de estimular a economia e de procurar atingir níveis máximos de empregabilidade. Então, à medida que a inflação começa a subir, a FED vai aumentando gradualmente as taxas de juro.
  • 03m03s Por outro lado, as empresas também podem ir buscar capital às famílias através da emissão de obrigações. Em teoria, as famílias serão recompensadas com os juros correspondentes e, quando a maturidade das obrigações for atingida, ser-lhes-á devolvido o capital inicialmente investido. Mas há um detalhe: a compra de obrigações implica a assumpção de um determinado nível de risco, uma vez que é sempre possível que as empresas não continuem a prosperar e, por conseguinte, não sejam capazes de devolver o capital inicialmente investido.
  • 03m54s De acordo com algumas teorias económicas, a quebra de compromisso obrigacionista não é necessariamente uma tragédia para toda a sociedade, porque o fenómeno cria as condições para que apenas a dívida "produtiva" ou "aproveitável" permaneça no sistema, com a dívida "improdutiva" a ser removida da economia. Temos assim uma espécie de darwinismo económico em que as empresas emitentes de dívida "produtiva" prosperam, enquanto as empresas emitentes de dívida "improdutiva" vão à falência.
  • 04m27s À medida que a taxa de juro directora de um sistema económico é reduzida pelo seu banco central, também o é a taxa interna de retorno requerida para que os investimentos sejam rentáveis. Isto significa que, em teoria, será mais fácil às empresas prosperar num ambiente de taxas de juro reduzidas. Porém, essa facilidade implica limiares mais baixos de criatividade,  inovação e, consequentemente, de produtividade. É por isso que uma economia cujas taxas de juro directoras são baixas é, intrinsecamente, uma economia fraca e em que a procura de crédito é muito inferior à oferta.
  • 08m57s O vídeo torna-se realmente interessante a partir daqui. O Sr. Ciovacco explica que o mecanismo de redução das taxas de juro tende a funcionar quando se parte de taxas de juro relativamente elevadas (e.g. 8%), porque a dívida criada nessas circunstâncias é maioritariamente "produtiva". Porém, à medida que o banco central vai reduzindo cada vez mais as taxas de juro, a dívida que se acrescenta ao sistema tende a ser cada vez mais "improdutiva". Além disso, tanto as empresas como as famílias tendem a evitar contrair novos empréstimos, por já terem muitas dívidas acumuladas de anos anteriores. Isto significa que a insistência neste género de políticas por parte dos bancos centrais tende a produzir resultados e benefícios cada vez mais modestos para a economia.
  • 12m03s No caso concreto da FED, à medida que o mecanismo de redução das taxas de juro começou falhar devido à acumulação excessiva de crédito num ambiente de taxas de juro reduzidas, deu-se a transição para uma política económica alternativa designada por Facilitação Quantitativa (Quantitative Easing - QE).
  • 12m31s Na QE, a FED continua a utilizar os "bancos" (notem as aspas) como agentes de transmissão da sua política económica. Porém, o mecanismo baseia-se numa transacção de dinheiro electrónico (notem bem, electrónico e não real) a troco de obrigações do governo federal. O objectivo é que os as agências financeiras primárias usem o dinheiro concedido pela FED para comprar acções e obrigações das empresas, impulsionando a subida dos mercados financeiros. A parte realmente surreal desta história é que a teoria económica por detrás do QE estabelece que a subida dos mercados criará um "efeito de riqueza" (wealth effect), que por sua vez levará as famílias a aumentar os seus níveis de consumo, fazendo crescer a economia (sim, isto é aceite como "ciência", por incrível que pareça!).
  • 15m13s Porém, a verdade é que a QE também está sujeita à Lei dos Rendimentos Decrescentes, com os activos financeiros a poderem subir apenas até aos níveis de valorização aceites pelos participantes do mercado. É por isso que, conforme observa o Sr. Ciovacco, as sucessivas tranches de QE implementadas pela FED foram cada vez menos eficientes, com a QE III a surtir um efeito muito menor do que a QE I.
  • 16m29s É por isso que, presentemente, a FED está muito reticente em permitir falências ou incumprimentos massivos de dívida. Poderá haver um efeito de cascata em que a falência de uma grande empresa ou instituição financeira sirva de gatilho para a venda generalizada e continuada de activos financeiros nos mercados globais. Porém, o resgate financeiro destas entidades manterá a sua dívida "improdutiva" no sistema, agravando a situação a longo prazo.
  • 18m51s O Sr. Ciovacco utiliza uma comparação interessante a que ele chama "A economia dos batidos de couve dos nossos planificadores globais". Nos EUA, os batidos de couve (kale smoothies) são uma bebida muito popular entre os entusiastas do fitness, sendo usados como complementos nutritivos ao exercício regular. O Sr. Ciovacco argumenta que as políticas económicas seguidas pela FED (redução das taxas de juro, QE, resgates, dinheiro de helicóptero¹, dívida) são um pouco como esperar ficar em forma bebendo apenas batidos de couve, i.e. sem nunca fazer os exercícios físicos necessários para esse efeito. Os exercícios físicos, neste caso, seriam as recessões, falências, incumprimentos e reduções de dívida que a FED não está a permitir.
  • 27m21s Em todo o mundo, a dívida total dos governos duplicou desde o início da crise financeira, em 2007 (1 trilião nos EUA = 1 bilião em Portugal = $1 000 000 000 000):

  • 30m33s São precisamente os níveis elevados de dívida ilustrados acima, juntamente com as valorizações elevadas dos activos financeiros, que têm levado a FED a adiar sucessivamente a subida das taxas de juro.
  • 31m37s A recente subida do S&P 500 acima do rectângulo multianual promete novas subidas dos índices bolsistas, mas o é preciso ter presente que o rácio $SPX:GLD continua bearish (ou seja, o ouro continua a ser preferido às acções). Isso poderá mudar nas próximas sessões, à medida que nova informação for acrescentada aos gráficos.
  • 32m31s Esta divergência é ainda mais evidente no rácio $SPX:SLV (a prata continua a ser preferida às acções)
  • 33m28s Já o rácio materiais/obrigações (XLB:TLT) parece estar um pouco melhor e a forçar até o limite superior do canal de transacção em que se encontra.
  • 34m02s A situação é semelhante no caso do rácio XLE:TLT (energia/obrigações).
  • 35m48s O Sr. Ciovacco mostra-nos um gráfico multianual do S&P 500 (1997-2004) no qual se podem observar os efeitos decorrentes dos aumentos e das reduções da taxa de juro directora por parte da FED. Dependendo dos dados económicos divulgados nos próximos meses, a recusa, por parte da FED, em aumentar as taxas de juro, pode fazer com que os mercados continuem a subir durante muito tempo, meses ou até anos. Ou, pelo contrário, pode fazer com que se estatelem já este Verão. Infelizmente para nós, investidores, é precisamente esta incerteza que faz mover os mercados.
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(¹) Por "dinheiro de helicóptero" entende-se uma forma alternativa de QE em que o dinheiro seria dado directamente às empresas e as famílias (em vez de ser dado às agências financeiras primárias); a expressão resulta da imagem de um helicóptero a lançar dinheiro sobre as cidades, conforme se ilustra na caricatura a seguir:


Evidentemente, a implementação de facto do "dinheiro de helicóptero" não seria deitar dinheiro às populações em sentido literal, mas talvez enviar cheques pelo correio ou, mais provável ainda, conceder benefícios e/ou isenções fiscais.

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