domingo, 29 de julho de 2018

Ponto da situação (2018-07-27)


      Vou começar este "ponto da situação" da mesma forma que fiz na semana passada, relembrando os dois cenários possíveis para as próximas semanas: 


Em qual dos dois cenários é que estamos neste momento? Vamos olhar para o gráfico mais recente do $SPX (S&P 500) e tentar perceber:

Olhando para o gráfico (em especial a interacção entre o índice e o rectângulo de consolidação multimensal cor-de-laranja), podemos observar duas coisas:
  1. Ao contrário do que  aconteceu na semana passada, o rectângulo foi claramente penetrado; isto é uma boa notícia, porque indica que algo nas bolsas pode ter mudado, seja para melhor, seja para pior;
  2. Durante a semana passada, o $SPX subiu até aos 2848,03 pontos na sessão de quarta-feira, mas acabou por cair na quinta-feira e na sexta-feira; ainda assim, o ganho semanal foi positivo (+0,61%) e, mais importante, o $SPX fechou bem acima do rectângulo.
Agora vamos ao que realmente interessa: comparando o gráfico acima com os dois cenários possíveis da primeira imagem, (a) e (b), parecemos estar mais em (a) do que (b). Notem bem, eu não estou a afirmar que estamos em (a) e não em (b), isso está por determinar! O gráfico ainda não é conclusivo, pelo que tanto podemos estar em (a) como em (b)! Eu estou apenas a dizer que, dada a acção recente do $SPX, que penetrou a base superior do rectângulo e voltou a descer sem contudo voltar a cair dentro da área de consolidação, há uma maior probabilidade de estarmos em (a) do que em (b). Mas probabilidade é só isso, probabilidade, não é nenhuma certeza! Tenho de insistir nesta mensagem porque há sempre um(a) mal-intencionado(a) qualquer que acha mesmo que é possível prever a evolução dos mercados com certeza absoluta ou quase! Só acredita nisso quem for completamente imbecil ou desonesto, os mercados não funcionam mediante equações matemáticas precisas, mas sim em função dos indicadores económicos disponíveis, das análises feitas pelos investidores, do comportamento imprevisível dos especuladores e das emoções de todos os participantes envolvidos na bolsa!

A minha opinião baseia-se também nos indicadores técnicos que podem ser observados no gráfico diário do maior fundo transaccionável (exchange traded fund ETF) que procura replicar o S&P 500, o SPY (versão não-ajustada):




Lembram-se que, nas últimas semanas, havia uma divergência entre a acção de preços do SPY e o seu índice de força relativa (relative strenght index, RSI)? Pois bem, caros leitores, essa divergência desapareceu! Com efeito, o RSI fez um novo máximo na quarta-feira (69,57%), acompanhando o máximo intradiário registado nesse dia ($284,37). Infelizmente, a Convergência e Divergência de Médias Móveis (Moving Average Convergence Divergence - MACD) ainda mostra uma ligeira divergência em relação ao preço... mas reparem que ainda não houve nenhum cruzamento bearish, pelo que ainda é prematuro afirmar que o SPY vai voltar a afundar.

Olhando agora para o gráfico semanal do SPY, a situação é agridoce. Por um lado, o RSI conseguiu finalmente subir acima dos 60%, estando agora em zona claramente bullish. O problema é que o histograma da MACD continua muito fraquinho, em termos da sua amplitude, pelo que convinha que as diferença entre as médias móveis exponenciais a 12 e a 26 dias (curva a azul escuro) e o sinal a 9 dias (curva a azul claro) aumentasse nas próximas semanas.

(Gráfico via Greg Harmon @ Dragonfly Capital)


Vou actualizar mais uma vez o gráfico que eu próprio fiz usando o Microsoft Excel e os dados disponibilizados pelo StockCharts. Sublinho, mais uma vez,  a divergência entre o preço (relembro que, neste gráfico, eu apenas considerei o preço de fecho) e o RSI que identificámos há duas semanas despareceu, o que é positivo. Por outro lado, a utilização do preço de fecho produz um gráfico em que o SPY já parece ter feito um teste bem-sucedido ao rectângulo (relembro que, em análise técnica, os preços de fecho são mais importantes do que os extremos intradiários).


Recordo que, para além  do preço de fecho do SPY (versão não-ajustada), a cor preta, o gráfico inclui também a média móvel simples a 50 dias a cor azul e a média móvel simples a 200 dias a cor vermelha. O gráfico inclui ainda quatro preços médios ponderados por volume a cor violeta: (1) a VWAP desde o máximo de 26 Jan, (2) a VWAP desde o mínimo de 9 Fev, (3) a VWAP desde o início do ano (year-to-date, YTD) e (4) a VWAP desde o mínimo do dia 2 de Abril. Reparem como todas as VWAPs e agora também a mms(200) estão a convergir para a zona em redor dos $270, o que reforça a ideia de que esse é um nível de suporte importante.

Aqui fica também a versão YTD (year-to-date, desde o início do ano) mais detalhada do gráfico acima, para que se vejam as diferentes curvas com mais clareza:



A semana que vem poderá confirmar a penetração do rectângulo. O ideal era que o preço do SPY não descesse muito mais, embora uma eventual reentrada dentro do rectângulo não signifique necessariamente o fim das subidas. Há muito espaço entre o preço de fecho da última semana ($218,42) e zona de suporte mais evidente neste gráfico, que anda na casa em redor dos $270. Até lá, as quedas não devem preocupar-nos. Se o SPY continuar a cair a parti daí, algo em que eu não acredito mas que não deixa de ser possível, a conversa passará a ser outra e será preciso reavaliar a situação. 

Paciência, caros amigos, paciência... na bolsa, é aquilo que mais se precisa! 😌

sábado, 28 de julho de 2018

Indicadores económicos: número de casas familiares novas vendidas


   Esta é a terceira posta de uma nova série sobre indicadores económicos. Nas duas postas anteriores vimos que:
  • Há indicadores económicos avançados (e.g. vendas a retalho) e indicadores económicos atrasados (e.g. taxa de desemprego);
  • Os indicadores atrasados não devem ser usados para identificar pontos de entrada e de saída do mercado, uma vez que são uma consequência da conjuntura económica e não uma causa; os indicadores atrasados são úteis para confirmar que já estamos em recessão, mas não  para antecipar a chegada da recessão;
  • Os indicadores adiantados são mais úteis para antecipar a chegada de períodos recessivos, porque tendem a degradar-se alguns meses antes de a economia começara a afundar; nenhum indicador avançado é 100% fiável, pelo que convém olharmos sempre para vários indicadores antes de tomarmos decisões acerca dos nossos investimentos.
  • As vendas a retalho, assim como todos os indicadores expressos em moeda, têm que ser ajustadas pelo valor da inflação para que se possam identificar abrandamentos e quebras de tendência que sirvam de aviso a uma eventual chegada da recessão.
  • As vendas a retalho ajustadas pela inflação têm subido sustentadamente desde a crise financeira, pelo que, para já, elas não nos inspiram motivos de preocupação.

Hoje vamos olhar para outro indicador económico avançado muito útil e simples de usar, que é o número de casas familiares novas vendidas em cada mês (NCFNVmês). O NCFNVmês tem uma grande vantagem sobre as vendas a retalho: como se trata de uma quantidade de produtos vendidos (casas), não temos de o ajustar pela inflação. Assim, basta olharmos para um gráfico deste género:



Podemos, alternativamente, visualizar os dados do gráfico acima na forma trimestral (ou quarterly, em inglês):


Reparem bem nas setas a cor vermelha que eu desenhei sobre o gráfico, caros leitores. É a isto que se chama um bom indicador avançado: a curva no gráfico está a descer ou estagnou (deixou de subir) antes dos períodos cinzentos (recessões). É evidente, ao olhar para este gráfico, que o NCFNVmês constitui um excelente indicador avançado, embora seja sempre preciso salientar que nenhum indicador económico é 100% fiável. Sim, eu sei que me estou a repetir... e ainda me hei-de repetir muitas mais vezes, porque é assombrosa a quantidade de pessoas que não parece perceber que, no que respeita a indicadores económicos, não chega usar apenas um ou dois!

Ora, o o NCFNVmês diz-nos quantas casas novas familiares foram compradas, mas convém sabermos mais um pouco acerca do estado do mercado imobiliário. É um bom sinal que as pessoas estejam a comprar mais casas, mas... será que os vendedores estão confiantes para os próximos meses? Uma boa forma de tentarmos perceber isso é sabermos quantas casas novas foram postas à venda, olhando para o número de casas privadas que começaram a ser construídas ou número de casas novas iniciadas em cada mês (NCNImês):



Também neste caso é possível (e preferível) olhar para um gráfico trimestral para eliminar o "ruído" provocado pela variabilidade mensal. Reparem novamente nas setas a cor vermelha, que antecipam os períodos de recessão:

Um comentário que deve ser feito nesta altura é que o NCNImês não é um indicador tão bom a antecipar recessões como o NCFNVmês. Com efeito, se compararmos o gráfico do NCNImês (acima) com o gráfico do NCFNVmês (dois gráficos acima), verificamos que, regra geral, o NCFNVmês se deteriorou antes do NCNImês. Então porquê usar também o NCNImês e não apenas o NCFNVmês? Porque há uma excepção nos gráficos: durante os meses que antecederam a "bolha das dot com", no início deste século, o NCNImês avisou os investidores antes de o NCFNVmês

Ou seja, os dois indicadores,  NCNImês e NCFNVmês, são complementares. Há uma explicação lógica para isto: a compra de casas novas depende do dinheiro que os compradores (as famílias) têm disponível ou esperam ter disponível nos próximos anos. Já a construção de casas novas depende da perspectiva que as construtoras têm do estado do mercado imobiliário e da sua evolução futura. Regra geral, as pessoas vão ficando sem dinheiro gradualmente e deixam de comprar casas novas de forma progressiva, antes de construtoras se começarem a ressentir fortemente nos lucros e deixarem de apostar em novas construções, pelo que o NCFNVmês avisa geralmente primeiro do que o NCNImês. Mas há outras situações em que, por especificidade conjuntural das condições económicas, as construtoras se apercebem da estagnação da economia ainda antes de as famílias ficarem sem dinheiro, deixando de construir casas antes de as famílias as pararem de comprar. Nesse sentido, o que se passou no início deste século foi tão simples quanto isto: a economia já estava em desaceleração e as construtoras perceberam-no, mas a banca continuou a conceder crédito às famílias, pelo que houve compra de casas novas mesmo depois de as construtoras terem abrandado o ritmo de construção.

Em jeito de comentário final, devo referir que há muitos outros indicadores sobre habitação familiar, mas estes dois são de longe os meus favoritos. Por exemplo, há quem goste de usar o custo médio ou o custo mediano das casas novas, mas eu acho que esses indicadores são falaciosos porque dependem da dimensão das casas novas, ou seja, são afectados por factores culturais e geracionais (e.g. os millennials já não procuram casas tão grandes como os seus progenitores) e não apenas factores económicos. Por outras palavras, uma redução do custo médio ou mediano das casas novas não reflecte necessariamente uma falta de dinheiro por parte das famílias. Além de que, mais importante ainda, esses indicadores não têm sido, em termos históricos, tão bons a antecipar as recessões como o NCNImês e o NCFNVmês.

Deixo aqui uma tabela-resumo com os indicadores que vimos até ao momento. Ao longo das próximos postas, acrescentaremos muitos mais!

Indicadores Económicos
    Avançados (ou adiantados)    Recuados (ou atrasados)
  Número de Casas Novas Iniciadas      Taxa de Desemprego
  Número de Casas Familiares Novas Vendidas
  Vendas a Retalho + Restauração

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Um excelente exemplo dos motivos pelos quais o
trading "after-hours" devia ser banido


     O Facebook apresentou os resultados relativos ao segundo trimestre hoje e falhou as estimativas em relação às receitas (13,36 mil milhões vs. 13,23 mil milhões). Eu não tenho acções do Facebook por princípio (é uma rede social controlada por tiranos que exercem a censura contra a Direita política), mas não posso deixar de ficar revoltado ao olhar para este gráfico:


O acesso ao "after-hours" é reservado apenas aos grandes institucionais, pelo que os pequenos investidores não têm como se defender de situações como esta*! As pessoas que tiverem acções do Facebook e não estiverem ligadas à alta finança não têm hipótese de reagir a quedas como esta! Isto é absolutamente inaceitável, sobretudo quando sabemos que a SEC (regulador norte-americano, equivalente à nossa CMVM), permite que isto aconteça sem impor limites às quedas!

Quem é que não se lembra do caso recente do XIV, um ETN que replicava inversamente o $VIX e que, durante as quedas de Fevereiro passado, foi completamente arrasado durante uma sessão de "after-hours", perdendo quase todo o seu valor? É pura e simplesmente obsceno que um grupo restrito de pessoas tenha tanto poder sobre o mercado! Não admira que as pessoas apostem cada vez mais em fundos diversificados e cada vez menos em acções individuais: se até o Facebook cai 20% em menos duas horas, nenhuma acção está a salvo!!!

Claro que o Facebook, sendo o colosso que é, vai certamente recuperar... o negócio continua a crescer, apesar de estar a crescer mais devagar do que os especuladores desejariam. Mas o que está aqui em causa é o princípio: o trading "after-hours" desincentiva os pequenos investidores a comprar acções e dá alento àqueles que, estupidamente, dizem que a bolsa é uma fraude.

_____________
(*) - Sim, eu sei que há plataformas de negociação que permitem que os pequenos investidores acedam ao after-hours, mas essas plataformas são muito mais caras e estão limitadas aos EUA.

domingo, 22 de julho de 2018

Ponto da situação (2018-07-20)


Vou começar este "ponto da situação" relembrando os dois cenários possíveis para as próximas semanas:



Com estes dois cenários em mente, vamos olhar agora para o gráfico mais recente do $SPX:


Interessante, não é? O $SPX (S&P 500) penetrou finalmente o rectângulo, mas voltou a descer até ao seu lado superior, pelo que é impossível sabermos, neste momento, qual dos cenários, (a) ou (b), é que é mais provável de vir a concretizar-se nas próximas sessões! Vamos dar uma olhadela ao gráfico intradiário do maior fundo transaccionável (ETF) que procura replicar o S&P 500, o SPY  (30 em 30 minutos), para ver se conseguimos descobrir mais alguma coisa:




Népias! Não há nada no gráfico que nos permita antever o que vai acontecer nas próximas sessões! E no grafico diário?


(Gráfico via Greg Harmon @ Dragonfly Capital)


O Greg Harmon (CMT), autor deste último gráfico, está bastante optimista quanto à continuação das subidas, mas eu estou algo receoso das divergências entre a acção de preços e os indicadores técnicos (RSI e MACD). Desconfio que o SPY poderá voltar a descer para dentro do rectângulo antes de retomar as subidas... vamos ver o que nos mostra o gráfico semanal:



De facto, o RSI semanal parece estar com alguma dificuldades em ultrapassar a zona dos 60, que corresponde grosso modo à fronteira de neutro para bullish... e o histograma do MACD semanal continua muito baixo, embora as média móveis estejam bullish...

Moral da história? Precisamos de ver o que acontece nas próximas sessões, em particular se a penetração do rectângulo é ou não confirmada. Se for, maravilha, podemos relaxar e ver o preço subir durante mais umas semanas... se não for, é preciso ver até onde o preço do SPY desde a seguir, sendo que, como disse na semana passada, eu não acredito que desça muito abaixo dos $270.

Vou actualizar mais uma vez o gráfico que eu próprio fiz usando o Microsoft Excel e os dados disponibilizados pelo StockCharts. Reduzi a espessura das fronteiras do rectângulo para se ver melhor a sua interacção com  a acção de preços. A pequena divergência entre o preço (relembro que, neste gráfico, eu apenas considerei o preço de fecho) e o RSI que identificámos na semana passada ainda se mantém. Isso não significa que a subida futura do SPY está comprometida, mas pode indicar que vamos ter novas descidas antes de voltar a subir.

Recordo que, para além  do preço de fecho do SPY (versão não-ajustada), a cor preta, o gráfico inclui também a média móvel simples a 50 dias a cor azul e a média móvel simples a 200 dias a cor vermelha. O gráfico inclui ainda quatro preços médios ponderados por volume a cor violeta: (1) a VWAP desde o máximo de 26 Jan, (2) a VWAP desde o mínimo de 9 Fev, (3) a VWAP desde o início do ano (year-to-date, YTD) e (4) a VWAP desde o mínimo do dia 2 de Abril. Reparem como todas as VWAPs estão a convergir para a zona em redor dos $270, o que reforça a ideia de que esse é um nível de suporte importante.

Tal como na semana passada, deixo aqui uma versão YTD (year-to-date, desde o início do ano) mais detalhada do gráfico acima, para que se vejam as diferentes curvas com mais clareza:


A avaliar pelo seu escasso número de visualizações, este blogue é seguido por poucas pessoas. Mas os poucos (e bons! 😛) que seguem o As Crónicas da Bolsa podem orgulhar-se do gráfico acima: a maioria das pessoas não consegue fazer dinheiro durante um período tão volátil como este que temos vivido desde o início de 2018. Pior do que isso, a maioria das pessoas não consegue sequer deixar de perder dinheiro quando os mercados andam em ziguezague como no gráfico acima! A volatilidade é o maior destruidor de carteiras que existe, porque a maioria das pessoas não tem controlo emocional suficiente para aguentar os períodos em que as cotações vão abaixo, muito menos quando elas oscilam para cima e para baixo ao longo de várias semanas seguidas!

E este é o grande motivo pelo qual a maioria das pessoas perde dinheiro em bolsa: focam-se no curto prazo e não no longo prazo. Só que, no longo prazo, o gráfico acima é claríssimo: desde o início de 2018, a média móvel simples a 200 dias nunca inverteu o seu sentido ascendente! NUNCA! E quando assim é, quem vender as suas acções merece perder dinheiro! Há pessoas que julgam que a bolsa é o lugar dos mais inteligentes, mas isso é falso. As estatísticas demonstram que a inteligência dos grandes investidores é apenas mediana. A bolsa é o lugar dos mais pacientes, isso sim, daqueles que têm estômago e sangue-frio suficiente para verem as suas acções perderem valor antes de voltarem a valorizar-se! 

Portanto, tenhamos paciência, caros leitores, porque a seguir à tempestade, tende a vir a bonança!

sábado, 21 de julho de 2018

Como (não) analisar o valor das vendas a retalho e da restauração


    Na sequência desta posta que fiz há uns dias a criticar o uso da taxa de desemprego como indicador fundamental de mercado, decidi fazer uma nova série de postas sobre que indicadores económicos vale a pena usar e de que forma é que devem ser usados. Começo por relembrar a conclusão da última posta: a taxa de desemprego não serve para antever o desempenho futuro da economia, muito menos se for usada de forma isolada, porque ela decorre do estado da economia, i.e. é uma consequência da conjuntura económica (indicador atrasado), não podendo ser usada para inferir ou antecipar aquilo que vai acontecer a seguir nos mercados.

O que nós queremos fazer quando estamos investidos em bolsa é olhar para aqueles indicadores económicos que antecedem os períodos de recessão económica (indicadores adiantados ou avançados) e não usar aqueles que se degradam apenas quando a recessão já começou. Isso existe? Existe pois, embora todos os indicadores tenham as suas limitações. Um dos indicadores económicos mais fiáveis que podemos utilizar para antecipar os períodos de recessão económica é o valor das vendas a retalho em cada mês, que consiste no valor monetário, expresso em moeda (e.g. euros ou dólares), de todas as actividades de venda de bens ou serviços directamente aos consumidores finais. Porque é que este indicador é bastante fiável (notem que eu não escrevi que era infalível)? Porque enquanto o valor das vendas estiver a crescer ao longo dos meses, a economia estará provavelmente em expansão.

Nos EUA, o valor das vendas a retalho não inclui o sector da restauração, pelo que é necessário começar por encontrar um gráfico como este, que inclua a soma de ambos:



Notem que o título do gráfico diz "advance retail sales" e não apenas "retail sales". Há um motivo para isso: o ponto respeitante ao mês mais recente, neste caso o de Junho de 2018, é apenas uma estimativa (uma projecção que é "avançada", daí o termo advanced), não é um dado definitivo. Os períodos de recessão foram assinalados a cor cinzenta no gráfico.

Agora prestem atenção, que o que vou dizer a seguir é extremamente importante: as vendas a retalho são de grande utilidade enquanto indicador económico, mas o gráfico acima, que é, infelizmente, aquele mais frequentemente usado pelos investidores, não é o mais adequado para as analisar. Porquê? Porque as vendas a retalho expressas em dinheiro são inflacionadas pelo crescimento ou decrescimento da inflação.

E qual é o problema disso? Vou tentar explicar com um exemplo simples: imaginem que vocês são comerciantes ou prestadores de serviços e, num dado ano, fazem vendas no valor de 100 mil euros. No ano seguinte, fazem vendas no valor de 101 mil euros. E no ano seguinte ao seguinte, fazem vendas no valor de 102,01 mil euros. Se a taxa de inflacção anual for de 1%, quanto terão crescido as vossas vendas nos dois anos seguintes ao primeiro?... ZERO! Sim, zero, ora reparem: 100 x 1,01% = 100 e 101 x 1,01% = 102,1%. Ou seja, vocês terão tido exactamente o mesmo volume de negócios em cada ano, não terá havido crescimento! É por isso que o gráfico acima não é o mais adequado para analisar as vendas a retalho porque, ao não considerar o efeito da inflação na curva representada, tende a mostrar-nos um crescimento superior ao real!

Aliás, reparem no seguinte: no gráfico acima, as vendas a retalho cresceram sempre antes das recessões. Ou seja, não nos avisaram que as recessões estavam a caminho! Como poderemos, então, contornar este problema e obter um gráfico mais adequado? É simples, temos de considerar o efeito da inflação nas vendas a retalho, o que pode ser feito em dois passos: (1) obtendo a série de valores mensais do índice de preços no consumidor (IPC, ou CPI na versão inglesa) e (2) dividindo as vendas a retalho em cada mês pelo IPC correspondente. O gráfico abaixo mostra a evolução do IPC nos EUA desde 1946:


E este outro gráfico, que é aquele que realmente queremos analisar, mostra-nos as vendas a retalho e da restauração sem o efeito da inflação:


Comparem este terceiro gráfico com o primeiro e rapidamente notarão que:
  • No gráfico sem inflação, as vendas a retalho estagnaram muitos meses antes de os períodos de recessão começarem; no gráfico com inflação, não há estagnação, as vendas sobem sempre até aos períodos cinzentos!
  • Assim, o gráfico sem inflação pode ser usado para detectar abrandamentos na economia que servem como sinais de alerta para a possível chegada de uma recessão; já o gráfico com inflação não pode ser usado desta forma.
  • Em ambos os gráficos, com e sem inflação, as vendas a retalho parecem estar bem de saúde. Com efeito, elas têm crescido sustentadamente desde o final da crise financeira (última recessão), pelo que, para já, elas ainda não nos inspiram preocupação.

Mais uma vez, chamo a atenção para a realidade de que um indicador económico, por si só, é insuficiente para diagnosticar a (falta de) saúde da economia. É por isso que, em postas futuras aqui no As Crónicas da Bolsa, iremos olhar para outros indicadores que nos ajudarão a visualizar o grande quadro.

domingo, 15 de julho de 2018

Ponto da situação (2018-07-13)


     Tal como tínhamos antecipado aqui no As Crónicas da Bolsa, o S&P 500 ($SPX) voltou a subir durante a semana passada (9-13 Jul), tendo até fechado ligeiramente acima (2801,31 pontos) do nosso rectângulo de consolidação multimensal (≈ 2800 pontos). Mas "ligeiramente acima" é, para efeitos de penetração do rectângulo, o mesmo que nada -embora seja largamente preferível a "ligeiramente abaixo"- pelo que continua tudo praticamente na mesma:



Isto parece uma verdade à La Palice, mas a próxima semana pode trazer-nos a confirmação da penetração ou, pelo contrário, trazer-nos novas quedas:


Convém que estejamos preparados para ambas as situações. Se (a) acontecer, é provável que o preço suba facilmente até ao máximo histórico de 26 de Janeiro (2872,87 pontos). Aí podem acontecer duas coisas: (a1) o preço fica uns dias (ou uma semanas) a oscilar em torno desse valor (nova consolidação) e depois continua a subir; este primeiro cenário seria o mais desejável; no entanto há uma segunda possibilidade (a2), em que o preço sobre até ao máximo histórico e depois cai rapidamente, fazendo um duplo topo multimensal, o que seria perigosíssimo, porque poderia implicar uma correcção (descida) do $SPX até à zona dos 2300 pontos:


Já no caso de acontecer (b), o mais provável é termos de aturar mais umas semanas a levar seca dentro do rectângulo original da primeira imagem desta posta. Não acredito, muito sinceramente, que o $SPX possa corrigir severamente a partir de (b), dada a sequência de mínimos consecutivamente mais elevados que assinalei na posta anterior (na análise da semana passada). Talvez possa haver uma nova descida até à zona de suporte nos 2700 pontos, mas mais do que isso parece-me improvável. Já a partir de (a2), a conversa é outra, aí o estrago pode ser dramático, sobretudo se o $SPX penetrar a base dos rectângulos, na zona entre 2530 e os 2560 pontos.

Claro que este é o pior cenário possível, há outros bem mais risonhos. O cenário (a1) é um desses outros e é precisamente nele que eu mais acredito, dada a evolução positiva dos indicadores económicos norte-americanos. Isto não é uma previsão, que fique bem claro, em bolsa só fazem previsões os charlatães. É a minha opinião pessoal com base nos factos que tenho à disposição, mais nada.

Vamos olhar agora para o maior fundo transaccionável (ETF) que procura replicar o S&P 500, o SPY (versão não-ajustada). No gráfico diário, vemos que o índice de força relativa (Relative Strenght Index - RSI) se mantém na zona neutra (50%), enquanto o MACD está bullish. Ou seja, estes dois indicadores técnicos sugerem a continuação das subidas da última semana.





É no entanto no gráfico semanal que o SPY continua mais forte. O RSI fez um novo mínimo acima dos 50% e poderá dirigir-se agora para a zona bullish (≥ 70%). O histograma do MACD continua algo fraco, mas o facto de a diferença entre as médias móveis exponenciais de 26 e 12 dias ter aguentado acima do sinal (a 9 dias) é bastante positivo.

 (Gráfico via Greg Harmon @ Dragonfly Capital)


Actualizando agora o gráfico que eu próprio fiz usando o Microsoft Excel e os dados disponibilizados pelo StockCharts na semana passada, observa-se uma pequena divergência entre a acção de preços recente (relembro que, neste gráfico, eu apenas considerei o preço de fecho) e o RSI. Para já, essa divergência ainda não é preocupante, mas deve ser monitorizada nos próximos dias.




Recordo que, para além  do preço de fecho do SPY (versão não-ajustada), a cor preta, o gráfico inclui também a média móvel simples a 50 dias a cor azul e a média móvel simples a 200 dias a cor vermelha. O gráfico inclui ainda quatro preços médios ponderados por volume a cor violeta: (1) a VWAP desde o máximo de 26 Jan, (2) a VWAP desde o mínimo de 9 Fev, (3) a VWAP desde o início do ano (year-to-date, YTD) e (4) a VWAP desde o mínimo do dia 2 de Abril. Reparem como as três últimas VWAP estão agora praticamente sobrepostas e que todas as curvas representadas neste gráfico têm actualmente um declive ascendente, o que reforça a probabilidade de o preço continuar a subir, não necessariamente na próxima semana, mas ao longo das próximas semanas.

Tal como na semana passada, deixo aqui uma versão YTD (year-to-date, desde o início do ano) mais detalhada do gráfico acima, para que se vejam as diferentes curvas com mais clareza:

domingo, 8 de julho de 2018

Ponto da situação (2018-07-06)


     No S&P 500, a semana (2-6 Jul) fechou com uma belíssima vela semanal. Olhando para o nosso rectângulo (crédito a quem o merece: o rectângulo foi primeiro identificado pelo Chris Ciovacco, logo em Fevereiro), tudo indica que poderemos ter mais um assalto ao topo (≈ 2800 pontos) nas próximas sessões mas, mais uma vez, nada é definitivo enquanto o rectângulo não for penetrado.




Mas há alguns motivos para estarmos confiantes:
  • Repare-se que, desde o mínimo do dia 9 de Fevereiro, todos os mínimos subsequentes foram sempre consecutivamente mais elevados (i.e. cada mínimo foi mais elevado do que o mínimo imediatamente precedente, como mostram as setas verdes), o que sugere que a força compradora está a aumentar, porque a cada nova queda os compradores surgem a um preço consecutivamente mais elevado.
  • A zona em redor dos 2700 pontos serviu de suporte ao $SPX nas últimas duas semanas; evidentemente, nada garante que isso continue a acontecer nas próximas sessões,  mas o facto de os vendedores terem falhado tantas vezes nesse nível (pelo menos oito vezes, desde o início de Maio), faz-nos manter um viés optimista.

Olhando agora para o maior fundo transaccionável (ETF) que procura replicar o S&P 500, o SPY (versão não-ajustada), vemos que o índice de força relativa (Relative Strenght Index - RSI) ultrpassou novamente a zona neutra (50%), enquanto o MACD parece estar a preparar-se para um cruzamento bullish. A confirmar-se, deveremos ter mais subidas até ao fim do mês.


No gráfico semanal do SPY (versão não-ajustada), podemos ver que o RSI nunca chegou a descer à zona bearish (30%) e que, desde de Março, ainda não voltou a descer abaixo da zona neutra (50%). O MACD, por seu turno, mostra alguma indecisão, sendo desejável que o histograma, que fechou a semana passada muito próximo do zero, volte a subir durante próxima semana.


Agora vou mostra-vos um gráfico que eu próprio fiz usando o Microsoft Excel e os dados disponibilizados pelo StockCharts. Incluí o rectângulo do primeiro gráfico, para se perceber melhor. A cor preta, temos o preço de fecho do SPY (versão não-ajustada). A média móvel simples a 50 dias está a cor azul e a média móvel simples a 200 dias a cor vermelha. Incluí ainda três preços médios ponderados por volume a cor violeta: (1) a VWAP desde o máximo de 26 Jan, (2) a VWAP desde o mínimo de Fevereiro e (3) a VWAP desde o início do ano (year-to-date, YTD).


O gráfico acima mostra-nos algumas coisas que os gráficos anteriores não mostravam:
  • Em termos do preço de fecho, a base e o topo do rectângulo já tiveram pelo menos dois toques; com efeito, embora o máximo intradiário de Junho tenha sido mais baixo do que o máximo intradiário de Março, o máximo de fecho em Junho foi mais elevado do que o preço de fecho em Março (ver gráfico mais abaixo); o mesmo sucede em relação aos mínimos de Fevereiro e Abril, o mínimo intradiário de Fevereiro mais baixo, mas o mínimo de fecho de Abril é mais baixo. Isto é mais importante do que parece, porque os limites superior e inferior do rectângulo ficam mais validados quantas mais vezes forem tocados - e, em análise técnica, o preço de fecho é sempre mais importante do que os extremos.
  • Outro aspecto importante é a evolução das VWAPs; repare-se como, a partir do início de Maio, o preço do SPY não tem descido abaixo das VWAPs. A VWAP YTD, em particular, parece ser significativa, pois é nela que o preço tem encontrado suporte mais vezes.

Deixo aqui uma versão mais detalhada do gráfico anterior:


Para terminar, quero chamar a atenção para a média móvel simples a 50 dias e para a média móvel simples a 200 dias. A primeira tem neste momento um declive ascendente. Mas a segunda, que é a mais importante, nunca inverteu o seu sentido desde o máximo de 26 de Janeiro, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na dolorosa correcção de 2015-2016. A mms(200) continua a subir desde o início desta correcção e, quando isso acontece, ninguém que seja sério e minimamente credível pode falar em Bear Market.

Resumindo e concluindo? É preciso ter paciência, caros amigos, e esperar pela penetração do rectângulo. A minha aposta continua a ser a mesma que fiz logo em Fevereiro: vamos ter novos máximos no S&P 500 antes do final do ano. Eu aproveitei as quedas dos últimos meses para comprar mais, não para vender. Posso estar engando? Sem dúvida. Mas os gráficos enganam-se poucas vezes...

Taxa de desemprego mensal nos EUA (Jan-1948 a Jun-2018)


        Aqui fica um gráfico com a evolução da taxa de desemprego mensal nos EUA, desde Janeiro de 1948 até Junho de 2018. A taxa de desemprego no último mês (Junho de 2018) foi de 4,0% mas, como se pode ler aqui, houve mais empregos criados face ao mês anterior (Maio de 2018). Porém, a taxa de desemprego subiu (+0,2%) porque houve mais pessoas a entrar na população activa. Ou seja, cuidado com a forma como se olha para a taxa de desemprego, porque sendo ela o quociente entre o número de pessoas desempregadas e o número total de pessoas na população activa, ela pode enganar quando o número total de pessoas na população activa variar muito de mês para mês!

Mas não foi esse o motivo pelo qual eu decidi publicar este gráfico, mas sim a forma como ele tem sido usado por algumas pessoas nos últimos meses. Há quem esteja a usar este gráfico para argumentar que a descida da taxa de desemprego desde finais de 2009 já dura há muito tempo, pelo que ela não pode continuar indefinidamente. E como as inversões da taxa de desemprego têm coincidido (notem bem, eu escrevi "têm coincidido" e não "coincidem") com os períodos de recessão económica (assinalados a cor cinzenta no gráfico), essas pessoas estão convencidas de que as bolsas norte-americanas vão afundar novamente num futuro próximo.





Ora, esta previsão assenta numa falácia muito comum nas pessoas que olham para gráficos com indicadores económicos, que consiste em olhar isoladamente para um indicador económico e extrapolar a evolução desse indicador económico sem olhar para mais nada. Isto, meninas e meninos, é um erro grosseiro! Os indicadores económicos avaliam-se em conjunto, nunca isoladamente! A ideia de que a curva no gráfico acima tem de inverter nos próximos tempos só porque "a taxa de desemprego está em queda há demasiado tempo" é um logro: a taxa de desemprego tanto pode voltar a subir rapidamente nos próximos meses como a estabilizar em torno de um determinado valor (e.g. Set-1968 a Mai-1969) ou até continuar a cair durante mais tempo (Jun-1953).

Porquê? Porque a evolução da taxa de desemprego nunca pode ser desligada da conjuntura económica. Se os lucros das empresas estão a subir (e estão a subir!), se o mercado imobiliário está a crescer (e está a crescer!), se o crescimento económico não abrandou (olhando ano a ano, ainda não abrandou) e, mais importante de tudo, se o dinheiro não está a ser transferido das acções para os activos de refúgio, então, vaticinar o fim da expansão económica apenas com base numa suposta insustentabilidade da taxa de desemprego é um perfeito disparate. Ou, posto de uma forma mais clara: a taxa de desemprego é uma consequência da conjuntura económica, não é uma causa, não devendo por isso ser tomada como um indicador de entrada ou de saída nos mercados financeiros!