Aqui fica um artigo razoavelmente bem escrito acerca da queda do "ouro negro". Coisa rara de se ver nos mé(r)dia!
«Com o brent colado aos 40 dólares, a exploração não convencional deixa de ser rentável. Investidores em fuga pressionam mais.
O
Natal está estragado para quem investe em petróleo. Depois de a
organização dos países produtores (OPEP), à boleia do maior membro do
grupo, a Arábia Saudita, ter decidido subir as quotas de produção de 30
para 31,5 milhões de barris por dia, o preço bateu mínimos de nove anos,
afundando além da barreira dos 40 dólares. Mantendo-se a produção alta
apesar de haver excesso de oferta e de a economia global estar a crescer
mais lentamente, o preço está, mesmo agora, poucas décimas acima desse
valor, tendo sofrido uma queda de 35% nos últimos 12 meses.
Evolução semanal do preço do West Texas Intermediate Crude ($WTIC), o principal indicador do preço do barril de petróleo nos EUA. Observe-se a enorme queda desta semana (-11,91%), com expansão do volume transaccionado e quebra do suporte na casa dos $40.
"Tudo indica que este nível
vai manter-se nos próximos meses", diz ao DN o especialista em petróleo
Agostinho Pereira de Miranda. O sócio presidente e fundador da sociedade
de advogados Miranda & Associados estabelece um paralelo entre este
contrachoque e o de 1985-86 - quando também existia um conflito no
mundo árabe, mas realça uma diferença fundamental. "Há 30 anos, o crude
chegou a pouco mais de dez dólares mas o então presidente americano
Ronald Reagan ameaçou Riade com a imposição de taxas à importação de
petróleo da Arábia Saudita e dos vizinhos da OPEP." Desta vez, apesar
dos danos feitos ao negócio norte-americano - nomeadamente no campo da
exploração de crude e gás de xisto -, ainda não houve ultimato.
Efeitos vão além da indústria
Não
é só a indústria petrolífera que é afetada. De acordo com o
especialista em petróleo, este sector tem impactos directos ou indirectos
de 40% na economia mundial. E se, para o consumidor final e algumas
indústrias, como químicas e farmacêuticas, os preços baixos são
vantajosos, esta tendência também traz problemas, nomeadamente no
desenvolvimento e na utilização das energias renováveis - o crude barato
desincentiva a procura de alternativas limpas. E nos mercados
financeiros.»
Barris de papel valem 9 vezes mais
"Os
barris de papel (posições financeiras que negoceiam petróleo e seus
derivados) têm hoje uma dimensão que é nove vezes o mercado físico e
alguns países e fundos soberanos investiram muitíssimo nesse sector. Por
outro lado, os futuros, hedging ou opções também condicionam
profundamente o preço do crude", diz Pereira de Miranda.
Os
preços baixos não são da exclusiva responsabilidade dos produtores, que
não querem reduzir quotas, mas também dos investidores, que se têm
afastado nos últimos meses. "O caso Volkswagen vai pressionar cada vez
mais o diesel, cuja utilização tende a reduzir-se muito, e isso,
conjugado com as metas vinculativas da cimeira do clima de Paris e com
as investigações lançadas sobre a indústria petrolífera (sendo a mais
recente a do procurador de Nova Iorque à Exxon-Mobil) vai desencorajar
ainda mais este tipo de investimentos", explica Pereira de Miranda. "O
tempo do investimento em paper barrels ao nível dos 600 mil milhões de
dólares acabou." E mesmo neste momento o desinvestimento só não é maior
porque as commodities alternativas não têm estado muito interessantes.
[N.B.: atenção que o parágrafo anterior é essencialmenet especulação. Especulção educada, é certo, mas ainda assim especulação.]
Do
lado das petrolíferas também há uma mudança de paradigma. Com a
tecnologia de conservação de energia cada vez mais desenvolvida, "o nome
do jogo passou a ser eficácia: há hoje uma busca obsessiva por ganhar o
máximo por barril". O que altera também a lógica da exploração: a
preços tão baixos, há muitas jazidas, nomeadamente na América do Sul, em
África e no Ártico, cuja exploração, em águas demasiado profundas,
deixa de ser viável. "Muito petróleo já descoberto não será explorado."»
[N.B.: isto, a médio prazo. Porque a longo prazo (vários anos) a conversa é outra!]
Uma estratégia lógica
A
pergunta a que falta responder: se os preços estão tão baixos, que
interesse têm os países da OPEP em manter a produção nos 31 milhões de
barris por dia? Todo. Os sauditas têm o menor custo de produção do
mundo: cinco dólares por barril. Se cortassem a produção sem que os
países de fora da OPEP os acompanhassem, arriscavam perder quota para
quem oferecesse melhor preço, como sucedeu nos anos de 1980.
Por
outro lado, mantendo os preços baixos, Riade consegue conter o boom de
petróleo e gás de xisto nos EUA. Já antes do verão, a Agência
Internacional de Energia avançava que, com os preços abaixo dos 60
dólares, o número destas plataformas em funcionamento fora reduzido a
menos de metade (uma queda de 60%). Com o brent a 40 dólares, as
explorações não convencionais ficam demasiado caras para fazerem
sentido.»
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