sábado, 28 de julho de 2018

Indicadores económicos: número de casas familiares novas vendidas


   Esta é a terceira posta de uma nova série sobre indicadores económicos. Nas duas postas anteriores vimos que:
  • Há indicadores económicos avançados (e.g. vendas a retalho) e indicadores económicos atrasados (e.g. taxa de desemprego);
  • Os indicadores atrasados não devem ser usados para identificar pontos de entrada e de saída do mercado, uma vez que são uma consequência da conjuntura económica e não uma causa; os indicadores atrasados são úteis para confirmar que já estamos em recessão, mas não  para antecipar a chegada da recessão;
  • Os indicadores adiantados são mais úteis para antecipar a chegada de períodos recessivos, porque tendem a degradar-se alguns meses antes de a economia começara a afundar; nenhum indicador avançado é 100% fiável, pelo que convém olharmos sempre para vários indicadores antes de tomarmos decisões acerca dos nossos investimentos.
  • As vendas a retalho, assim como todos os indicadores expressos em moeda, têm que ser ajustadas pelo valor da inflação para que se possam identificar abrandamentos e quebras de tendência que sirvam de aviso a uma eventual chegada da recessão.
  • As vendas a retalho ajustadas pela inflação têm subido sustentadamente desde a crise financeira, pelo que, para já, elas não nos inspiram motivos de preocupação.

Hoje vamos olhar para outro indicador económico avançado muito útil e simples de usar, que é o número de casas familiares novas vendidas em cada mês (NCFNVmês). O NCFNVmês tem uma grande vantagem sobre as vendas a retalho: como se trata de uma quantidade de produtos vendidos (casas), não temos de o ajustar pela inflação. Assim, basta olharmos para um gráfico deste género:



Podemos, alternativamente, visualizar os dados do gráfico acima na forma trimestral (ou quarterly, em inglês):


Reparem bem nas setas a cor vermelha que eu desenhei sobre o gráfico, caros leitores. É a isto que se chama um bom indicador avançado: a curva no gráfico está a descer ou estagnou (deixou de subir) antes dos períodos cinzentos (recessões). É evidente, ao olhar para este gráfico, que o NCFNVmês constitui um excelente indicador avançado, embora seja sempre preciso salientar que nenhum indicador económico é 100% fiável. Sim, eu sei que me estou a repetir... e ainda me hei-de repetir muitas mais vezes, porque é assombrosa a quantidade de pessoas que não parece perceber que, no que respeita a indicadores económicos, não chega usar apenas um ou dois!

Ora, o o NCFNVmês diz-nos quantas casas novas familiares foram compradas, mas convém sabermos mais um pouco acerca do estado do mercado imobiliário. É um bom sinal que as pessoas estejam a comprar mais casas, mas... será que os vendedores estão confiantes para os próximos meses? Uma boa forma de tentarmos perceber isso é sabermos quantas casas novas foram postas à venda, olhando para o número de casas privadas que começaram a ser construídas ou número de casas novas iniciadas em cada mês (NCNImês):



Também neste caso é possível (e preferível) olhar para um gráfico trimestral para eliminar o "ruído" provocado pela variabilidade mensal. Reparem novamente nas setas a cor vermelha, que antecipam os períodos de recessão:

Um comentário que deve ser feito nesta altura é que o NCNImês não é um indicador tão bom a antecipar recessões como o NCFNVmês. Com efeito, se compararmos o gráfico do NCNImês (acima) com o gráfico do NCFNVmês (dois gráficos acima), verificamos que, regra geral, o NCFNVmês se deteriorou antes do NCNImês. Então porquê usar também o NCNImês e não apenas o NCFNVmês? Porque há uma excepção nos gráficos: durante os meses que antecederam a "bolha das dot com", no início deste século, o NCNImês avisou os investidores antes de o NCFNVmês

Ou seja, os dois indicadores,  NCNImês e NCFNVmês, são complementares. Há uma explicação lógica para isto: a compra de casas novas depende do dinheiro que os compradores (as famílias) têm disponível ou esperam ter disponível nos próximos anos. Já a construção de casas novas depende da perspectiva que as construtoras têm do estado do mercado imobiliário e da sua evolução futura. Regra geral, as pessoas vão ficando sem dinheiro gradualmente e deixam de comprar casas novas de forma progressiva, antes de construtoras se começarem a ressentir fortemente nos lucros e deixarem de apostar em novas construções, pelo que o NCFNVmês avisa geralmente primeiro do que o NCNImês. Mas há outras situações em que, por especificidade conjuntural das condições económicas, as construtoras se apercebem da estagnação da economia ainda antes de as famílias ficarem sem dinheiro, deixando de construir casas antes de as famílias as pararem de comprar. Nesse sentido, o que se passou no início deste século foi tão simples quanto isto: a economia já estava em desaceleração e as construtoras perceberam-no, mas a banca continuou a conceder crédito às famílias, pelo que houve compra de casas novas mesmo depois de as construtoras terem abrandado o ritmo de construção.

Em jeito de comentário final, devo referir que há muitos outros indicadores sobre habitação familiar, mas estes dois são de longe os meus favoritos. Por exemplo, há quem goste de usar o custo médio ou o custo mediano das casas novas, mas eu acho que esses indicadores são falaciosos porque dependem da dimensão das casas novas, ou seja, são afectados por factores culturais e geracionais (e.g. os millennials já não procuram casas tão grandes como os seus progenitores) e não apenas factores económicos. Por outras palavras, uma redução do custo médio ou mediano das casas novas não reflecte necessariamente uma falta de dinheiro por parte das famílias. Além de que, mais importante ainda, esses indicadores não têm sido, em termos históricos, tão bons a antecipar as recessões como o NCNImês e o NCFNVmês.

Deixo aqui uma tabela-resumo com os indicadores que vimos até ao momento. Ao longo das próximos postas, acrescentaremos muitos mais!

Indicadores Económicos
    Avançados (ou adiantados)    Recuados (ou atrasados)
  Número de Casas Novas Iniciadas      Taxa de Desemprego
  Número de Casas Familiares Novas Vendidas
  Vendas a Retalho + Restauração

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