sábado, 21 de julho de 2018

Como (não) analisar o valor das vendas a retalho e da restauração


    Na sequência desta posta que fiz há uns dias a criticar o uso da taxa de desemprego como indicador fundamental de mercado, decidi fazer uma nova série de postas sobre que indicadores económicos vale a pena usar e de que forma é que devem ser usados. Começo por relembrar a conclusão da última posta: a taxa de desemprego não serve para antever o desempenho futuro da economia, muito menos se for usada de forma isolada, porque ela decorre do estado da economia, i.e. é uma consequência da conjuntura económica (indicador atrasado), não podendo ser usada para inferir ou antecipar aquilo que vai acontecer a seguir nos mercados.

O que nós queremos fazer quando estamos investidos em bolsa é olhar para aqueles indicadores económicos que antecedem os períodos de recessão económica (indicadores adiantados ou avançados) e não usar aqueles que se degradam apenas quando a recessão já começou. Isso existe? Existe pois, embora todos os indicadores tenham as suas limitações. Um dos indicadores económicos mais fiáveis que podemos utilizar para antecipar os períodos de recessão económica é o valor das vendas a retalho em cada mês, que consiste no valor monetário, expresso em moeda (e.g. euros ou dólares), de todas as actividades de venda de bens ou serviços directamente aos consumidores finais. Porque é que este indicador é bastante fiável (notem que eu não escrevi que era infalível)? Porque enquanto o valor das vendas estiver a crescer ao longo dos meses, a economia estará provavelmente em expansão.

Nos EUA, o valor das vendas a retalho não inclui o sector da restauração, pelo que é necessário começar por encontrar um gráfico como este, que inclua a soma de ambos:



Notem que o título do gráfico diz "advance retail sales" e não apenas "retail sales". Há um motivo para isso: o ponto respeitante ao mês mais recente, neste caso o de Junho de 2018, é apenas uma estimativa (uma projecção que é "avançada", daí o termo advanced), não é um dado definitivo. Os períodos de recessão foram assinalados a cor cinzenta no gráfico.

Agora prestem atenção, que o que vou dizer a seguir é extremamente importante: as vendas a retalho são de grande utilidade enquanto indicador económico, mas o gráfico acima, que é, infelizmente, aquele mais frequentemente usado pelos investidores, não é o mais adequado para as analisar. Porquê? Porque as vendas a retalho expressas em dinheiro são inflacionadas pelo crescimento ou decrescimento da inflação.

E qual é o problema disso? Vou tentar explicar com um exemplo simples: imaginem que vocês são comerciantes ou prestadores de serviços e, num dado ano, fazem vendas no valor de 100 mil euros. No ano seguinte, fazem vendas no valor de 101 mil euros. E no ano seguinte ao seguinte, fazem vendas no valor de 102,01 mil euros. Se a taxa de inflacção anual for de 1%, quanto terão crescido as vossas vendas nos dois anos seguintes ao primeiro?... ZERO! Sim, zero, ora reparem: 100 x 1,01% = 100 e 101 x 1,01% = 102,1%. Ou seja, vocês terão tido exactamente o mesmo volume de negócios em cada ano, não terá havido crescimento! É por isso que o gráfico acima não é o mais adequado para analisar as vendas a retalho porque, ao não considerar o efeito da inflação na curva representada, tende a mostrar-nos um crescimento superior ao real!

Aliás, reparem no seguinte: no gráfico acima, as vendas a retalho cresceram sempre antes das recessões. Ou seja, não nos avisaram que as recessões estavam a caminho! Como poderemos, então, contornar este problema e obter um gráfico mais adequado? É simples, temos de considerar o efeito da inflação nas vendas a retalho, o que pode ser feito em dois passos: (1) obtendo a série de valores mensais do índice de preços no consumidor (IPC, ou CPI na versão inglesa) e (2) dividindo as vendas a retalho em cada mês pelo IPC correspondente. O gráfico abaixo mostra a evolução do IPC nos EUA desde 1946:


E este outro gráfico, que é aquele que realmente queremos analisar, mostra-nos as vendas a retalho e da restauração sem o efeito da inflação:


Comparem este terceiro gráfico com o primeiro e rapidamente notarão que:
  • No gráfico sem inflação, as vendas a retalho estagnaram muitos meses antes de os períodos de recessão começarem; no gráfico com inflação, não há estagnação, as vendas sobem sempre até aos períodos cinzentos!
  • Assim, o gráfico sem inflação pode ser usado para detectar abrandamentos na economia que servem como sinais de alerta para a possível chegada de uma recessão; já o gráfico com inflação não pode ser usado desta forma.
  • Em ambos os gráficos, com e sem inflação, as vendas a retalho parecem estar bem de saúde. Com efeito, elas têm crescido sustentadamente desde o final da crise financeira (última recessão), pelo que, para já, elas ainda não nos inspiram preocupação.

Mais uma vez, chamo a atenção para a realidade de que um indicador económico, por si só, é insuficiente para diagnosticar a (falta de) saúde da economia. É por isso que, em postas futuras aqui no As Crónicas da Bolsa, iremos olhar para outros indicadores que nos ajudarão a visualizar o grande quadro.

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