sábado, 24 de fevereiro de 2018

Mercados americanos: o comentário semanal de Chris Ciovacco (16)


      Agora que os mercados americanos parecem estar finalmente a recuperar das quedas do início deste mês de Fevereiro, chegou a altura de olharmos novamente para o mercado como um todo, i.e. de confrontarmos as perspectivas de lucro futuro nas acções com as perspectivas de lucro futuro nos veículos de investimento defensivos, obrigações e fundos de rendimento garantido (os metais preciosos ficam, para já, fora desta análise).

O motivo pelo qual é obrigatório fazer este exercício após cada correcção significativa dos índices bolsistas é que, quando o dinheiro sai da bolsa, é imprescindível percebermos se volta a entrar nas semanas seguintes ou se, pelo contrário, é aplicado noutros tipos de investimentos. Porquê? É simples: se o dinheiro volta a entrar na bolsa, i.e. é usado para comprar acções e ETFs¹, então as perspectivas de subidas das cotações bolsistas a médio e longo prazo mantêm-se inalteradas. Pelo contrário, se o dinheiro é usado para comprar obrigações, metais preciosos e outros activos de natureza defensiva, isso significa que o dinheiro está a sair das acções e dos ETFs, pelo que há um risco acrescido de o mercado deixar de subir a médio e longo prazo. Como dizem os norte-americanos, "follow the money", é preciso seguir o dinheiro!


Pontos de interesse do vídeo do Sr. Ciovacco:
  • 00m21s O Sr. Ciovacco começa o vídeo com o gráfico de que mais se tem falado no mundo financeiro nas últimas semanas, que é o gráfico da evolução da taxa de juro das obrigações do tesouro americano a 10 anos no mercado secundário, $TNX². Houve muita gente que apontou a recente subida desta taxa de juro como o gatilho que espoletou a recente correcção dos mercados -eu não acredito nisso, por motivos que ficarão claros a seguir. Como se pode ver no gráfico do $TNX, a taxa de juro das obrigações do tesouro americano a 10 anos atingiu o seu ponto mais elevado no início dos anos 80 e, desde então, tem estado numa tendência decrescente de muito longo prazo.
  • 01m01s O Sr. Ciovacco usa este gráfico do $TNX para explicar algo que, para o comum mortal, é bastante contra-intuitivo: quando as taxas de juro descem, a procura por obrigações aumenta. Porquê? Porque os investidores apressam-se a comprar obrigações antes que a taxa de juro desça mais, garantindo assim uma maior rentabilidade dos seus títulos. No mercado secundário, este efeito é ainda mais dramático, com os investidores dispostos a pagar mais por obrigações emitidas em anos anteriores (ver o exemplo que é dado no vídeo assumindo um investimento de $100 mil). Para quem achar que isto que eu estou a dizer está errado, deixo aqui um exemplo simples: até 2016, o governo português emitiu os  Certificados do Tesouro de Poupança Mais (CTPM), que tinham uma taxa de remuneração significativamente superior a qualquer um dos títulos obrigacionistas que passaram a ser disponibilizados ao público desde então. Ora, o pico da procura por obrigações em Portugal coincidiu precisamente com o fim dos CTPM, porque os investidores portugueses sabiam que os títulos de dívida que seriam emitidos a seguir teriam uma taxa de juro significativamente mais baixa, logo, uma remuneração inferior.

  • 02m20s Inversamente, quando a tendência das taxas de juro das obrigações é de subida, a procura por obrigações diminui, porque os investidores sabem que as obrigações tenderão a ser mais bem remuneradas no futuro do que no presente (veja-se o exemplo que o Sr. Ciovacco nos dá para um investidor com $100 mil no ano de 2016). É esta dicotomia entre taxas de juro e procura por obrigações que torna as dívidas soberanas dos países particularmente perigosas: quanto mais a taxa de juro sobe no mercado secundário, menos pessoas e instituições querem comprar títulos de dívida emitidos em anos anteriores, levando a situações como a que os portugueses viveram entre 2008 e finais de 2013.
  • 04m01s Portanto, retenhamos esta regra importantíssima: quando a tendência de valorização das taxas de juro das obrigações no mercado secundário é decrescente, a procura por obrigações aumenta; quando a tendência de valorização das taxas de juro das obrigações no mercado secundário é crescente, a procura por obrigações diminui.
  • 04m39s Ora, no presente momento (Fev-2018), as obrigações do tesouro americano parecem estar a inverter a sua tendência de descida a muito longo prazo. Olhando para o gráfico do $TXN, observa-se um duplo fundo multianual entre 2012 e 2017 e, se o $TNX cruzar os 30 pontos, poderemos entrar num ciclo ascendente de vários anos ou até várias décadas, i.e. numa tendência de valorização a muito longo prazo das taxas de juro das obrigações no mercado secundário. É isto que está a deixar, de acordo com os mé(r)dia financeiros, muitos investidores nervosos... a perspectiva de uma crise da dívida soberana norte-americana.
  • 07m47s O Sr. Ciovacco faz aqui um ponto importantíssimo. À medida que as taxas de juro das obrigações sobem, também os rácios preços-lucro das empresas tendem a subir e, com eles, a sua valorização bolsista ao longo do tempo. Tendo em conta que as taxas de juro das dívidas soberanas dos países industrializados atingiram um mínimo em 2016, é possível e até provável que as taxas de juro globais continuem a subir nos próximos anos e, com elas, os rácios preços-lucro dos mercados bolsistas mundiais. Aliás, desde que esse mínimo ocorreu, as acções têm ganhado terreno, enquanto as obrigações têm perdido terreno.
  • 15m07s Essa realidade fica perfeitamente demonstrada quando olhamos para o rácio entre o S&P 500 ($SPX) e as obrigações a 30 anos ($USB). Conforme se pode ver no gráfico em baixo, o desempenho do $SPX relativamente ao $USB foi superior entre 1978 e a "bolha das dot com", no início do ano 2000. Desde então, o rácio $SPX/$USB variou consoante os bull e bear markets da primeira década deste século, mas subiu consistentemente desde o ano de 2009, superando, em finais de 2017, o nível pré-"bolha das dot com", o que é um sinal bullish (ascendente) para o longo prazo.


  • 16m02s Também é interessante observar, no gráfico acima, que o rácio $SPX/$USB fez um padrão de "cabeça e ombros invertido" multianual entre 2000 e 2017, o que reforça a teoria bullish para os próximos anos. Atenção que isto não é uma previsão, estamos a falar de probabilidades, nos mercados nunca há certezas absolutas, a não ser entre os charlatães!
  • 16m43s O índice médio direccional ADX corrobora o que foi dito no parágrafo anterior, com um cruzamento multianual positivo (preto cruza vermelho de baixo para cima).
  • 18m08s O Índice Geométrico Value Line, um índice de cotações igualmente ponderadas de 1675 empresas listadas na bolsa de Nova-Iorque (NYSE), também superou recentemente o nível de valorização pré-"bolha das dot com", reforçando a hipótese bullish para as acções.
  • 34m40s Nenhum vídeo do Sr. Ciovacco acaba sem a habitual comparação do momento actual nos mercados com os momentos pré-crash. E, com efeito, a situação a longo prazo nos mercados mantém um viés francamente positivo, não obstante a recente correcção. Resumindo e concluindo: quem tem acções, deve mantê-las. Eu até aproveitei as recentes quedas para comprar mais!
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(¹) - A abreviação ETF designa Exchanged-traded Fund, i.e. Fundo (de acções) Transaccionado em Mercado. Trata-se de um fundo que pode ser comprado e vendido como se fosse uma acção mas que, na prática, é constituído por várias acções e tem como objectivo replicar um determinado índice ou sector de mercado. Exemplos: o SPY é um ETF que procura replicar a evolução do índice S&P 500; o QQQ é um ETF que procura replicar a evolução do índice Nasdaq 100; o SMH é um ETF que procura replicar a evolução do sector dos semicondutores; o IBB é um ETF que procura replicar a evolução do sector das biotecnológicas, etc.

(²) - O valor facial do $TNX não representa a taxa de juro em si ($UST10Y) que é aproximadamente 10 vezes menor. No entanto, tal como o SPY segue o S&P 500, a evolução do $TNX em termos relativos segue a evolução da taxa de juro de uma forma muito aproximada, pelo que pode ser perfeitamente usado como proxy para análise.

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